Extratos da nossa reunião de 09/08/2015

PALAVRA DO PRESIDENTE
"Leitura: explicitações e implicações"
          
Nosso presidente Prof. Leonardo Prota
junto à Vice-Presidente Leonilda Yvonneti Spina
Convívio e Isolamento constituem os pilares da construção   de plena realização do ser humano; convívio nobre, respeitoso e elevado, proporcionado por um silencioso isolamento, que é alimentado pelo pensamento e a reflexão. Ambiente propício facilitado pela leitura.
Entende-se por leitura a capacidade da pessoa ler um texto, isto é, o que se chama de alfabetizar-se. Lamentavelmente, entre a população adulta sobrevivem analfabetos. De acordo com a UNESCO, na população maior de 15 anos, no mundo, o Brasil possui o oitavo maior número de analfabetos. São cerca de 14 milhões de pessoas.
A par disso, em face dos percalços experimentados  por nosso ensino fundamental, apareceu a figura do analfabeto funcional, isto é, aquele que alfabetizou-se mas não é capaz de desenvolver corretamente o seu raciocínio nem discorrer sobre determinada composição. Revela não ter adquirido  o hábito e a plena capacidade  de leitura, que é, no final de contas, o objetivo do ensino.
Estimativas oficiais indicam que esse contingente equivaleria a 35 milhões entre os adultos. Assim, os dois aglomerados ascenderiam a cerca de 50 milhões, em torno de 40% do eleitorado (aproximadamente 140 milhões). 
Trata-se de um grande desafio, tendo em vista que a circunstância reflete-se no processo de formação de mão de obra e no pleno amadurecimento das instituições democráticas, exigentes de níveis adequados  de participação popular.
Em que pese os aspectos negativos indicados, o país conta com expressivo número de leitores. Seriam cerca de 90 milhões. Pesquisa levada a cabo pelo Instituto Pró-Livro (IPL), realizadas desde 2.000, permitem afirmar que o brasileiro lê em média quatro livros por ano. Confrontados tais resultados ao quadro vigente na Europa e nos Estados Unidos, seriam insatisfatórios. Mas constitui uma base importante para desenvolvimentos futuros. 
A par disso, além de dispor de bibliotecas públicas de merecida nomeada em praticamente todos os estados, tais instituições acham-se bem distribuídas no país. São cerca de seis mil (uma biblioteca para cada 33 mil habitantes).
Costuma-se apontar o preço do livro como elemento inibidor da expansão do mercado editorial. Devo reconhecer que, pessoalmente, não tenho condições de pronunciar-me sobre a consistência de tal  avaliação.
Sem embargo, entendo que corresponde a uma ameaça real –não apenas à sua expansão, mas à própria sobrevivência do mercado de que se trata-, a existência de correntes de opinião surgidas em decorrência do aparecimento do que se convencionou denominar de “sociedade da informação”, isto é do crescente acesso das pessoas  aos recursos colocados ao seu dispor pela informática no que  respeita à comunicação entre as pessoas e ao próprio modo de agir e comportar-se  de grandes contingentes populacionais. 
Como fruto desse desenvolvimento, em nosso tempo estabeleceu-se uma grande celeuma em torno da sobrevivência do livro. Generalizou-se a crença de que, dadas as facilidades criada pela informática no que diz respeito à possibilidade de armazenagem da informação, desapareceria a necessidade de termos acesso direto aos livros. As novas gerações estariam sendo educadas para prescindir totalmente do hábito da leitura. Em seu lugar entraria o telefone celular e a filiação às redes,  onde o principal treinamento consistiria  em acostumar-se a reduzir as formas de comunicação a textos com número limitado de caracteres.
Nos seguintes tópicos discutiremos se efetivamente a espantosa multiplicação dos recursos disponíveis para difusão do conhecimento implicam as indicadas consequências. Hoje abordaremos o primeiro tópico:
O acesso fácil à informação dispensa o hábito de leitura?
O enfrentamento da questão proposta exige que se estabeleça a imprescindível distinção entre a frequência à escola e os outros segmentos da vida.
Naturalmente, o aprendizado não se restringe aos longos anos em que todas as pessoas são obrigadas a frequentar bancos escolares pela simples razão de que, ao contrário dos outros animais, o ser humano não nasce com instintos que prescindiriam da dependência de formas específicas de treinamento. Andar, alimentar-se ou criar hábitos de higiene pessoal – essenciais à sobrevivência  requerem aprendizado específico.
O aprendizado que se dá na escola tem características próprias. 
O essencial nesse tipo de aprendizado consiste  em que deve proporcionar familiaridade com conceitos. Cada disciplina profissional acha-se estruturada com base numa série, sempre mais extensa, de conceitos, isto é, de ideias centrais que a tipificam.
O criador da ciência da administração,  Peter Drucker (1909/2005), ensinou-nos que o cerne dessa disciplina residiria no “estudo de casos”. Mais precisamente: compete a quem se proponha estudar a matéria apropriar-se da experiência de determinada empresa. No fundo, essa experiência estará consubstanciada num conjunto de conceitos.
Quer  isto dizer que, para cursar essa disciplina, com o enfoque indicado, terá que estudar diretamente num dos livros do autor ou num texto que se proponha apresentar o conjunto de suas ideias. Sem dispor do  hábito de estudo, que se resume numa leitura especial e atenta, certamente não dará conta da tarefa. 
Naturalmente, a aproximação a uma obra literária não requer essa forma de estudo. Mas se quisermos que essa  aproximação se traduza numa modalidade de aquisição de cultura geral, não pode resumir-se à leitura do que nos caia nas mãos. É preciso dar-se conta de que as obras consagradas como expressão da cultura ocidental não se limitam a distrair.  Permite que  nos apropriemos da experiência vivida numa determinada época bem como do reconhecimento da diversidade dos tipos humanos. É certo que, em nosso tempo, o escritor consagrado tem sua audiência limitada aos que o apreciam nessa condição. Desapareceu o “intelectual” que se atribuía a função de “profeta”.
No texto seguinte, “A mudança de perfil dos grandes escritores”, Vargas Llosa discute esse aspecto da questão. Essa análise será objeto de nossa próxima reunião.
Prof. Leonardo Prota

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Hora de Poesia
Declamação pela Acadêmica e poetisa Leonilda Yvonneti Spina

"EU TENHO UM BUGRE DENTRO DE MIM"

                Eu tenho um bugre dentro de mim, tenho...
Sinto-o nesta paixão antiga por caçadas,
no prazer infantil de andar no mato,
na profunda afeição pelas coisas agrestes.

Nasci nas matas do rio Doce. 
“Minha bisavó foi pegada a laço”...
Talvez seja por isso que não gosto de arranha-céus,
estes jequitibás mortos, sem folhagens
no carrascal das cidades...
Não gosto de apartamentos onde o ar
só entra pelos conta-gotas das janelas;
não gosto de asfalto, deixa o solo
sem poros, como cicatrizes de queimaduras;
nem de estátuas eu gosto,
lembram cadáveres congelados...

Eu tenho um bugre dentro de mim, 
diluído no meu sangue, tenho...
Sinto que ele que me arrasta 
para a fragrância balsâmica das matas,
para a música das cachoeiras,
para as noites leitosas de luar, 
para a majestade serena dos grandes rios,
para o marulhar cantante dos regatos,
para o verde dos mares,
para o azul dos céus,
para o silêncio repousante dos lagos adormecidos...

Ainda é ele, o bugre, que me impele
para a árvore de junco do teu corpo, 
para os galhos roliços dos teus braços,
para a floresta escura dos teus cabelos,
para as águas dormentes dos teus olhos, 
para o fruto vermelho da tua boca,
para os passarinhos que cantam na tua voz...

Eu tenho um bugre dentro de mim, tenho!
Por que, Senhor! não fiquei só no bugre?...
No bugre livre de selo, 
livre de folhinha,
livre de relógio,
livre de roupa...
No bugre livre! Livre! Livre!                                            

(Demóstenes Cristino)
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DEMOCRACIA E EDUCAÇÃO


Acadêmico e Prof. Sergio Alves Gomes * 

A reunião de nossa Academia foi abrilhantada pelo pronunciamento do Acadêmico, que reproduzimos abaixo:

O Estado Democrático de Direito (Constituição Federal, artigo 1o,caput) exige mudança de
mentalidade e de atitudes porque a democracia é absolutamente incompatível com o uso despótico do poder e da força. Ela limita todas as formas de poder para impedir a escravidão e a servidão humanas. Na democracia, o soberano não é mais o rei irresponsável, caprichoso e tirano dos tempos do absolutismo. Nela, o soberano é o povo (que não se confunde com "massa"), pois dele emana todo o poder, conforme prevê a Constituição Federal (art.1o, parágrafo único). No regime democrático a ninguém é lícito colocar-se acima da Constituição e das leis. A democracia abomina e rejeita o demagogo. A hipocrisia daqueles que se fingem de democratas - objetivando enganar o povo, fazendo promessas apenas para alcançarem o poder - representa a mais sórdida conduta contra a democracia.

Em face dos recentes episódios que mancharam, indelevelmente, a história da relação entre o atual governo do Paraná e os professores, merece séria reflexão a estarrecedora ofensa que vem sofrendo a Educação em todo o País e, de modo especial, no Paraná. Sem educação, ninguém se desenvolve como pessoa, ninguém se capacita para agir como cidadão nem se qualifica para profissão alguma. Logo, sem educação não há democracia nem estado democrático de direito.

Por isso, zelar pela educação exige especial incentivo aos seus protagonistas. Atacar os educadores com cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo, "spray" de pimenta e coisas do gênero - como ocorreu no dia 29 de abril, no Centro Cívico, em Curitiba - é atitude que causa repugnância e indignação em quem preserva básicos sentimentos morais e democráticos. Tais atos revelaram para a história a face perversa do despotismo governamental, jamais exposta durante as recentes campanhas eleitorais. São atos violentos que, por extrapolarem os limites do equilíbrio exigido pelo diálogo democrático, configuram verdadeiro abuso no uso da força. Isso fere, drasticamente, o estado democrático de direito (CF, art.1o, caput) e macula o compromisso republicano jurado no ato da posse de quem exerce o poder governamental. Na democracia, a liberdade de expressão e a de manifestação, por meio de pacíficos protestos, são direitos fundamentais. Cabe a quem exerce o poder e administra a força policial estatal saber lidar, adequadamente, sem ameaça ou violação a direitos, diante de tais situações.

A luta atual do magistério é uma luta pacífica por reconhecimento e respeito à dignidade de quem passa a vida trabalhando na formação de pessoas, de cidadãos, de profissionais para o País e o mundo, mas não se vê condignamente reconhecido e remunerado. E mais: ao se manifestar, é tratado violentamente como "baderneiro".

Lamentavelmente, vive-se uma tragédia nacional. Sofre o Paraná, sofre o Brasil perdas historicamente irreparáveis para a democracia e o desenvolvimento da Nação, com reflexos negativos implacáveis no presente e no futuro do País. Reflexos da estupidez e prepotência de quem não quer valorizar seus educadores. Vê-se que o brado de Ulysses Guimarães, na promulgação da "Constituição cidadã", continua a ecoar: "Muda Brasil!". Mas, sem educação de boa qualidade, sem educadores respeitados e motivados, a mudança só poderá ser para pior. É isso o que queremos?

* SERGIO ALVES GOMES é doutor em Filosofia do Direito e do Estado 
e professor associado da Universidade Estadual de Londrina
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Pré-lançamento de livro

O Acadêmico Julio Ernesto Bahr apresentou, em pré-lançamento, o seu segundo livro de contos "Tia Belinha e a Grande Cartada... e novas histórias de bahr", com 29 histórias.
O livro, assim como ocorreu com o primeiro, foi inteiramente patrocinado  pela Secretaria da Cultura de Londrina, através do PROMIC - Programa Municipal de Incentivo à Cultura e será distribuído gratuitamente, como uma forma de incentivar a leitura.
O autor citou um comentário do cronista e Acadêmico Paulo Briguet, que assim se referiu ao primeiro livro, lançado em 2005: "Bahr é um escritor com a marca do bom publicitário; avesso a adjetivos e inimigo das frases desnecessárias - daquelas que estão ali só para fazer efeito, como dizia Simenon -, Bahr procura ir direto ao ponto, contando histórias bem-humoradas e espirituosas". 
O lançamento oficial está programado para o dia 4 de setembro, na Biblioteca Municipal de Londrina, a partir das 19h30.


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MOMENTO DE ARTE


A artista Adalgisa Lopes da Silva (à esquerda) apresentando seus
trabalhos, junto com a Acadêmica Fátima Mandelli 
e a senhora Marinês Ferreira
Contamos com a presença da artista plástica Adalgisa Lopes da Silva, que apresentou duas telas de sua autoria e nos contou um pouco da sua história: descobriu a arte ainda na infância e solidificou sua carreira ministrando aulas, assim se realizando profissionalmente 
Seu lema "É ensinando que se aprende" mostra sua paixão ao ensinar arte e sente "que é assim mesmo que tem que ser, dividir com os alunos os dons que recebeu de graça, recebendo em troca experiências novas".
Autodidata, trabalhando com as tintas e elementos variados e brincando com as técnicas, sua pintura mostra traços fortes e sutis, alcançando um modo peculiar de traduzir através dos tons e massas o equilíbrio em sua pintura.

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PALESTRA


"AS PÁGINAS QUE MUDARAM MINHA VIDA"


Acadêmico Paulo Briguet *


“Senhor, no dia de hoje, fazei-me dizer só a verdade, criar só a beleza e fazer só o bem.”
Procuro fazer essa oração todas as manhãs, antes de começar a trabalhar. Na verdade, acho que comecei a rezar assim, mesmo sem palavras, desde que vi meu pai lendo um livro na sala, no nosso apartamento da Alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Isso aconteceu há mais de 40 anos, talvez seja a mais remota imagem que eu guardo na mente. De certa maneira, aquela cena definiu a minha vida. Eu seria para sempre um escravo dos livros e das palavras. Tornei-me escritor para agradar meu pai. Para fazer meu pai feliz. Para torná-lo eterno dentro de mim.
Este é o sétimo Dia dos Pais que eu passo sem meu pai. Os senhores, meus queridos confrades e confreiras, devem saber que eu tenho uma particular relação com o número sete. Além de ser o número dos dias da semana, das notas musicais, das cores primárias e tantas outras coisas no céu e na terra – é o número dos leitores de minhas crônicas.
Certo dia meu pai comprou um livro chamado “A Orgia Perpétua”, de Mario Vargas Llosa. Eu tinha sete anos e perguntei a ele: – Pai, o que é perpétua? Ele respondeu: – É algo que dura para sempre. Depois eu perguntei: – Pai, o que é orgia? Ele pensou um pouco e respondeu: – Bem, filho, é uma festa onde as pessoas se divertem muito, cometem muitos excessos. Eu guardei isso na memória. Numa festa de Natal, em que todos se divertiam muito e cometiam excessos na comida e na bebida, eu gritei, para espanto dos parentes: – Nossa, que orgia!
O livro de Mario Vargas Llosa, por incrível que pareça, fala sobre o amor eterno pela literatura. Aqui vão algumas páginas da minha Orgia Perpétua.
Comecemos pela poesia. Os versos que mais mudaram a minha vida foram aqueles que encontrei por acaso, fora dos bancos escolares ou da recomendação dos especialistas.
Carlos Nejar
Por exemplo, os versos do poeta gaúcho Carlos Nejar, que é da Academia Brasileira de Letras:

"Quando nasci
fui posto
no fundo do poço
do calabouço.

Não sei
o comprimento,
a largura,
a expansão
dos movimentos
no fundo
do poço
do calabouço.

Vivia à tontas
e o que colhia
não me atingia
no fundo do poço
do calabouço.

(...)
Alguma luta se trava.
Algum ombro não se entrega.
Quando há um sopro de trégua
a vida ainda se guarda.

Espero.
Não vou render-me
na guerra
do poço do calabouço.
A resistência é de fera.
E feroz, a solidão.

Os olhos de minhas mãos,
os olhos de um outro rosto
sabem que vão transpor
o poço do calabouço.

Mesmo na explosão
ou no maior desconforto."

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Platão
Esse poema me parece uma recriação do mito da caverna, de Platão. Mas como descrever o meu arrebatamento ao ler os versos do poeta português Herberto Helder, há 15 anos, num livro que encontrei por acaso na prateleira:

"Os ombros estremecem-me com a inesperada onda dos meus
vinte e nove anos. Devo despedir-me de ti,
amanhã morrerei.
Devo olhar com uma grande
memória aquilo que acaba na violência triste
do poema.
Estamos nos quartos, há flores nas mesas. De babilônia
partem rios. Por detrás das cortinas,
despeço-me. Amanhã vou morrer.
Vi um dia alguém tomar nas mãos, entre faúlhas
velozes, pedras que pareciam
imortais. Eram casas que se levantavam
sobre o meu coração.
Amanhã morrerei."

*******
Manuel Bandeira
E para ficarmos no terreno da mortalidade, eu me lembro de um poema de Manuel Bandeira que meu pai adorava recitar:

"Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. 
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três.
– Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
– Respire.
– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."

*******
Herbero Helder
Tanto Herberto Helder quanto Manuel Bandeira escreveram estes poemas jovens e morreram com mais de 80 anos.

Meu pai era um grande leitor dos russos. E talvez aquele livro que ela estava lendo na minha infância fosse de Tolstói, Dostoiévski, Turguêniev ou Tchekhov. Também poderia ser alguma coisa de Nabovok ou Pasternak, russos do século XX. De tudo que eu li na literatura russa até hoje, talvez uma das passagens que mais tocaram o meu espírito sejam as últimas linhas do romance “Pais e Filhos”, de Ivan Turguêniev, quando os pais do médico revolucionário Bazarov vão visitar o túmulo do filho:
“De quando em quando, de um povoado próximo, vem visitar este túmulo um casal de velhos, trôpegos e débeis, marido e mulher. Apoiando-se um ao outro, caminham com passos lentos e arrastados. Aproximam-se da grade de ferro, caem de joelhos e choram muito tempo, examinando atentamente a pedra indiferente da lousa tumular debaixo da qual repousa seu filho. Trocam uma breve palavra, espanam o pó da lousa, endireitam o ramo do abeto e rezam de novo. Não tem coragem de abandonar esse lugar, onde se sentem mais perto do filho, da saudade... Será possível que as suas orações e suas lágrimas sejam inúteis? Será possível que o amor, o amor sagrado, amor dedicação suprema não seja onipotente? Não! Seja qual for o coração apaixonado, pecador e revoltado que se esconda num túmulo, as flores que crescem sobre eles nos fitam tranqüilas, com seus olhos inocentes. Elas não falam apenas da calma eterna, da grande, da infinita calma da natureza “indiferente”: falam também de paz e da vida eternas...”

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E por falar em russos, durante muito tempo, em minha vida, eu tive a mesma ilusão que acabou por tomar conta desse imenso país situado entre a Europa e a Ásia: o nome dessa ilusão é socialismo. Meus autoenganos começaram a ruir quando li os livros de Milan Kundera, Ivan Klíma, Alexander Soljenítsin, Joseph Brodsky -- e principalmente a obra de Olavo de Carvalho. Mas nada me convenceu mais da monstruosidade do socialismo do que as palavras dos próprios escritores revolucionários. Vejam, por exemplo, esta passagem de Victor Serge, grande entusiasta da Revolução Russa:
“Um operário da fábrica de Verkh-Issetsk, Piotr Zakharovitch Ermakov, foi encarregado, com uma equipe de homens confiáveis, de proceder à execução. Na noite de 15 para 16 de julho, por volta da meia-noite, Nicolau II, a czarina, a czarevicht Alexis, as quatro jovens grã-duquesas, o dr. Botkin, a governanta e o preceptor do ex-herdeiro do trono, dez pessoas ao todo, foram chamadas a se reunir em um cômodo do andar térreo. Esperavam que se tratasse de uma nova transferência. Enfileiraram-se diante de homens armados, um dos quais leu para eles, em nome do soviete (conselho) regional, a sentença de morte que nem tiveram tempo suficiente para compreender. ‘Então, não vamos ser transferidos?’, disse Nicolau II, surpreso. Não teve tempo para se recuperar da surpresa. Em poucos instantes, os Romanov não passavam de um monte de cadáveres tombados contra uma parede arrebentada de balas. Um caminhão transportou os despojos, envoltos em cobertores, para uma mina abandonada, a oito verstas (cerca de nove quilômetros) da cidade. Lá, suas roupas foram cuidadosamente revistadas; as das grã-duquesas continham grande número de brilhantes; os cadáveres foram queimados e as cinzas, enterradas em um pântano próximo dali.
(...)
Sverdlov curvando-se sobre Lênin, disse-lhe algumas palavras em voz baixa.
‘O camarada Sverdlov pede a palavra para uma comunicação’, anunciou Lênin.
Sverdlov disse, com sua voz inalterável:
‘Acabo de saber que Nicolau foi fuzilado em Ekaterimburgo, por ordem do soviete regional. Nicolau pretendia fugir. Os tchecoslovacos se aproximavam. O Bureau Pan-Russo dos Sovietes aprova.’
Silêncio.
Lênin disse: ‘Passemos ao exame detalhado do projeto’.”

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Como a Rússia do começo do século XX, nosso país vive hoje uma situação terrível, meus amigos. Vivemos a destruição da moralidade, dos valores da civilização, da cultura como forma de expressar a verdade, a beleza e a justiça. Por isso eu acho que precisamos reler algumas páginas do passado para que possamos enfrentar as guerras do presente. Acho que precisamos ouvir as palavras de Winston Churchill no parlamento inglês, palavras que mudaram não só a minha vida, como a de toda a humanidade:
"Só tenho para oferecer sangue, sofrimento, lágrimas e suor. Temos perante nós uma dura provação. Temos perante nós muitos e longos meses de luta e sofrimento.
Perguntam-me qual é a nossa política? Eu lhes direi; fazer a guerra no mar, na terra e no ar, com todo o nosso poder e com todas as forças que Deus possa dar-nos; fazer guerra a uma monstruosa tirania, que não tem precedente no sombrio e lamentável catálogo dos crimes humanos –; essa a nossa política."
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Sou admirador de Machado de Assis e Lima Barreto, mas considero que a obra mais importante da literatura nacional é “Os Sertões”. A força da linguagem de Euclides da Cunha chega a ser milagrosa. Eu poderia citar várias passagens de sua obra que me impressionaram profundamente e transformaram minha vida, mas ficarei com apenas uma:
"Fechemos este livro.
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados."
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Euclides da Cunha
Quando penso na aniquilação do povoado de Canudos, tão magistralmente narrada por Euclides da Cunha, eu me lembro de uma cena que estaria presente se a minha vida fosse um livro.

Na cidade de Mariana existe uma praça em que duas igrejas antigas se contemplam – irmãs de pedra destinadas a olhar uma para a outra até o final dos tempos. Mas, em julho de 1999, uma das igrejas havia sofrido um incêndio. Estava interditada e as paredes ameaçavam cair. Mesmo assim, espiamos lá dentro para ver
o tamanho do estrago. Desolação absoluta reinava no lugar: o teto viera abaixo; vigas carbonizadas jaziam formando ideogramas de morte; como na Sexta-Feira da Paixão, não havia imagens de santos.
Então eu olhei para a igreja queimada e soube que ali estava a imagem da minha alma. Durante anos, eu cultivara aquele incêndio pernicioso dentro de mim. Não era o fogo purificador; não era o fogo que Eliot une à rosa em seu poema; não era o fogo que ilumina e aquece. Naquele instante, debaixo do céu pálido e dos eflúvios do incêndio, percebi que eu era o demônio de mim mesmo. E pedi perdão, silenciosamente. E peço perdão até hoje, silenciosamente.
Hoje eu sei que aquele foi o momento exato da minha conversão. Talvez por isso as imagens da destruição de Canudos e dos campos de concentração nazistas e comunistas tenham tanto efeito sobre mim.
Essas eram as palavras que eu tinha para dizer-lhes nesta manhã, meus amigos.
Eu poderia prosseguir citando dezenas, centenas de páginas que me marcaram tanto quanto as que citei aqui, mas quero abusar da paciência dos acadêmicos.
Espero ter sido digno daquele homem que lia o poema na sala há 40 anos.
Estamos nos Dias dos Pais, terminemos com um poema de Rudyard Kipling que é bastante adequado à data hoje comemorada.
Um poema em que eu ouço a voz daquele homem que lia o livro na sala, há 40 anos:

"Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,
De sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: Persiste!;

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais – tu serás um homem, ó meu filho!"


* Paulo Briguet é jornalista, cronista e escritor