Falecimento do Acadêmico Romão Sessak

A Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina comunica, com pesar, o falecimento do titular da Cadeira 35

Romão Sessak

ocorrido em 26/09 último, em Londrina, PR.

O sepultamento deu-se no dia 28/09 no
Cemitério Municipal Água Verde em Curitiba.

Extratos da nossa reunião de 14/09/2014


SER x PARECER

 Leonardo Prota


           
Em várias oportunidades evidenciamos que são os valores que constituem a mola propulsora da ação humana, como ideais, como arquétipos inspiradores, tendo em vista a realização do ser humano e, consequentemente, da própria sociedade. Com certeza, o norte para o desenvolvimento humano é apontado pelo Papa Bento XVI na Encíclica  “Caritas in veritate”, (O amor na verdade ).Ele afirma: “O amor na verdade é a força propulsora principal para o verdadeiro desenvolvimento da cada pessoa e da humanidade inteira.(...) Pela sua estrita ligação com a verdade, o amor pode ser reconhecido como expressão autêntica da humanidade e como elemento de importância fundamental nas relações humanas.”

            Um aspecto por nós continuamente evidenciado é a importância do relacionamento com outras pessoas no processo educacional, de educar  e de educar-se. A maior pobreza que pode afetar o ser humano é a solidão. Isolado, ele vai enterrando os talentos que, quando desenvolvidos, iriam potencializar seu crescimento e sua realização. O caminho para desenvolver essas potencialidades é traçado pelo “eu” que se reconhece, reconhecendo outros “eus” iguais a si – como repetidamente salientava Miguel Reale – e entre o “eu” e o “outro” estabelece-se uma atividade transformadora feita de experiências mútuas, com base em valores.

            É o que encontramos explicitado na Encíclica mencionada: “De natureza espiritual - afirma Bento XVI - o ser humano realiza-se nas relações interpessoais: quanto mais vive de forma autêntica, tanto mais amadurece a própria identidade pessoal. Não é isolando-se que o ser humano se valoriza a si mesmo, mas relacionando-se com os outros e com Deus, pelo que estas relações são de importância fundamental.”

            Surge aqui uma indagação: Qual o fundamento que deve lastrear essas relações para que aconteça o amadurecimento e a realização pessoal do ser humano?

            O fundamento é, uma vez mais, a verdade. Esclarece Bento XVI: “A verdade é luz que dá sentido e valor ao amor. Sem a verdade, o amor cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada, chegando a significar o oposto do que é realmente.”  

            Chegamos ao ponto nevrálgico de nossa reflexão sobre “ser x parecer”. Com frequência cita-se a expressão: “A mulher de César não só deve ser honesta, mas também deve parecer honesta.” O que aconteceria se ela, sem ser honesta, se preocupasse em parecer honesta? Em nossa cultura está sempre mais se difundindo a preocupação com a aparência sem a mínima ideia de procurar a essência. A cultura da aparência marca sua presença sempre mais constante tanto no plano pessoal como no plano social: uma cultura sem preocupação com a verdade, um invólucro vazio que pode ser preenchido arbitrariamente por emoções, sentimentalismo, ostentação, egoísmo.

            Enfim, em que consiste essa verdade de que estamos falando? Voltando a Bento XVI: “Fundamentado na verdade, o amor pode ser compreendido pelo ser humano na sua riqueza de valores, partilhado e comunicado. Com efeito, a verdade é logos (palavra) que cria diá-logos e, consequentemente, comunicação e comunhão.”

            Palavra que reflete o pensamento, que tem por base o conhecimento de si mesmo. É no conhecer-se a si mesmo que se desenvolve o amor fundamentado na verdade, Caritas in veritate, que, por sua vez, promove o desenvolvimento. Ou seja, é no processo de conhecimento dos outros que se realiza o conhecimento de si mesmo;e é no conhecimento de si mesmo que se origina o amadurecimento da identidade pessoal.

            Há séculos, a sabedoria socrática de “conhece-te a ti mesmo” permeia a cultura ocidental; o conhecimento de si mesmo constitui a base e o fundamento da verdade.O amor, fundamentado na verdade, no conhecimento de si mesmo, evidencia o ser e o seu crescimento e desenvolvimento; o amor, sem a verdade, torna-se um invólucro vazio, preenchido pelo não-ser, ou seja, pelo simples parecer.

            Alguns exemplos poderão esclarecer esse entendimento.

No relacionamento  pessoal é eloquente o que o que apresentam  o filme de Luis Carlos Barreto: “Prova de fogo” (1980)e o correspondente livro: “O desafio de amar” (Ed. Saraiva). Em ambos fica claro que o amor com embasamento na verdade não é um processo para tentar fazer do outro, do próximo, a pessoa que você quer que seja, mas um processo de aproximação, de intuição, de percepção, de reflexão a respeito das tendências, aspirações, projetos, desejos, necessidades do próximo. Esse processo de aproximação favorece, inicialmente, o conhecimento de si mesmo e, consequentemente, a ação de amorosa solidariedade, visto que o amor não é simples sentimento, mas decisão.

            No plano social a ação política apresenta diariamente inúmeros exemplos. É suficiente acompanhar os pronunciamentos da Presidente Dilma, do Presidente do Senado Renan Calheiros, do Presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves, do Ministro da Fazenda Guido Mantega... sem entrar ainda no mérito do chamado 2° mensalão. Sintetizando, vale a pena citar a expressão de J. R. Guzzo em seu artigo “Dinheiro falso": “Governos que mentem para o público o tempo todo acabam mais cedo ou mais tarde mentindo para si mesmos e, pior ainda, acreditando nas mentiras que dizem; o resultado é que sempre chegam a uma situação em que não sabem mais fazer a diferença entre o que é verdadeiro e o que é falso.”

            Finalizando, diante do crescimento da cultura do parecer, é preciso recuperar a cultura do ser, que constitui a base do desenvolvimento pessoal e social, a partir do conhecimento de si mesmo, que resulta da aproximação do outro: daí a verdade que deve lastrear o amor e a solidariedade.
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Declamação da poetisa e Acadêmica Leonilda Yvonneti Spina:

Sinto Vergonha de Mim
de Cleide Canton


 

Sinto vergonha de mim
por ter sido educadora de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.


Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
 simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
 a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
 com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
 em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.

Tenho vergonha de mim
 pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
 a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
atos criminosos, a tanta relutância
 em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás e mudar o futuro.

Tenho vergonha de mim
pois faço parte
de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
 que não quero percorrer...

Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
 e do meu cansaço.

Não tenho para onde ir
 pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação
 de nacionalidade.

Ao lado da vergonha de mim,
 tenho tanta pena de ti,
povo brasileiro!
Poema escrito em 03/09/2006
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"De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto".


Rui Barbosa, (parte de discurso no Senado, em 1914)
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Estruturação da ética na criança: quais as possibilidades de ocorrer no contexto escolar?
Palestra proferida por Euclides Lunardelli Filho *

O texto que apresento a seguir tem a pretensão de subsidiar a conclusão de que a escola e o ensino formal não dispõem dos aparatos técnicos e humanos capazes fazer com que a criança introjete (se aproprie e torne seu) os valores éticos mais nobres construídos até o presente momento da história da humanidade, para pensar e agir segundo estes. Além dos aparatos citados serem insuficientes, um elemento imprescindível à instituição da ética na criança é o senso de PERTENCIMENTO que esta vive em relação aos pais, nos seus momentos iniciais da vida. A criança precisa ser tratada e sentir-se como PROPRIEDADE dos pais, antes de sua emancipação emocional. Este aparato, seguramente, é a função parental mais difícil de se permitir à escola que hoje ocupa o lugar dos pais durante a maior parte do dia. Mas, apesar de ocupar o lugar dos pais, a escola substitui-lhes nas funções essenciais necessárias à humanização da criança? A ocupação do lugar parental pela escola se dá de forma ainda mais contundente durante a educação infantil. Contudo, os atores da escola (professores) são mal vistos pela família quando assumem uma postura mais austera como aquela que deveria ser desempenhada pelos pais quando desempenham funções restritivas de comportamento. O Estado também impede que os professores desempenhem funções parentais que não sejam as funções argumentativas, estas, insuficientes para promover a “educação do corpo”, expressão que será melhor compreendida na sequência.

                Até bem pouco, há não mais que 100 anos, inscrições simbólicas de valores se davam prioritariamente em meio ao convívio íntimo. Refiro-me ao convívio em pequenos grupos: vizinhos, familiares, comunidades, tribos e assemelhados; um convívio próximo certificando os comportamentos e as subjetivações, uns dos outros. A radicalização dos processos tecnológicos, dos meios de comunicação, de entretenimento, de transporte e de produção em larga escala, entre outros, desencadeou o fenômeno da redução no tempo de convívio entre as crianças pequenas e outros atores da sua comunidade íntima. Esta base de intimidade foi um aspecto duradouro da história do homem que influenciou particularmente a socialização e aculturação das comunidades, atuando diretamente na transmissão de valores ao grupo de crianças que eram geradas em seu seio.

                Nesta reflexão gostaria de retirar de pauta as argumentações favoráveis ou não à grade curricular que versa sobre conteúdos escolares. Vou me ater ao nosso objetivo maior de pensar sobre a base afetiva e social que vai suportar a aprendizagem de qualquer tipo de conteúdo informativo. Na psicanálise chamamos a isto de CAPACIDADE CONTINENTE do ser humano. Nem sempre fica evidente aos pensadores da educação que o homem não é tão somente aquilo que ele assimila (conteúdo). Obviamente a todo conteúdo deve-se corresponder um continente que lhe dá forma e expressão. Por vezes esquecemos disso.

                Paralelamente a análise supra, acredito que outra se faz necessária para pensarmos as necessidades dos processos educacionais de aculturamento. Vejamos que o sapiens-sapiens, o último da cadeia evolutiva dos homens, surgiu aproximadamente entre 150 e 80 mil anos. A arqueologia e a antropologia se perguntam ainda hoje porque o mesmo aparato biológico do sistema nervoso teria levado cerca de 50 mil anos para apreender a desenhar nas cavernas, ou seja, por que demorou tanto para que o “mesmo cérebro” que nasce até hoje nos nossos bebês levasse tanto tempo para aprender a simbolizar? Todas as hipóteses apontam para a participação da transmissão cultural, o que equivale a dizer que um bebê que se desenvolve tal qual um troglodita da idade da pedra, capaz das maiores bestialidades, só se diferencia de um cidadão ético em face a sua exposição a um processo civilizatório/educacional eficaz. É bom incluir no nosso repertório de argumentos informações das neurociências. Atualmente se consegue diagnosticar alterações fisiológicas e morfológicas do cérebro humano, alterações estas, intimamente ligadas ao ambiente a que a criança é exposta. Um ambiente agressivo promove o crescimento das formações sinápticas de regiões do cérebro ligadas a luta ou fuga, enquanto ambientes colaborativos promovem o desenvolvimento de áreas relacionadas ao amor social. Chegamos nos últimos anos à incrível conclusão de que a aprendizagem promove alterações no cérebro tal como os exercícios promovem alterações musculares, sem querer menosprezar as predisposições genéticas decorrentes da combinação parental. Fato é que a cultura/educação também se dá no nível biológico, principalmente na criança em desenvolvimento. Nesta fase da vida há várias “janelas biológicas” que se fecham com a idade inviabilizando alguns tipos de aprendizagens, principalmente as ligadas a habilidades sociais, ou, se não inviabilizam completamente, ao menos tornam muito custoso o aprendizado das referidas habilidades após a passagem da fase respectiva. É isso que os estudos indicam sobre a empatia, por exemplo.

                Se as premissas aqui expostas e as hipóteses decorrentes das primeiras estiverem razoavelmente corretas, chegamos à conclusão de que a educação deve atuar cedo e de forma eficaz, para que nossas crianças aumentem a probabilidade de se tornarem cidadãos comprometidos com a ética. E de que ética estou falando aqui? Peço a generosidade dos leitores para adotarmos um conceito de base que sirva a discussão, aceitando a definição de Ética como sendo uma ciência aplicada que preconiza as condutas socialmente aceitas no contrato social e que visam o bem comum traduzido pelo esforço em alcançar os objetivos instituídos pelo grupo e no interesse de todos. A ética praticada pelo sujeito ético, diferente da moral, significa a adoção dos valores como princípios “sagrados”, acima da própria vida, pelo qual vale a pena lutar e praticar, não por medo de fazer o errado e ser punido, mas pela beleza e pelo desejo de fazer o bem ao grupo e ser reconhecido por isso. Aplica-se assim a ideia de uma servidão voluntária à lei do bem comum. No caso da obediência aos valores por medo do grupo, estaríamos falando da moral.

                Importante aspecto a ser considerado é aquele que depreendemos na clínica psicanalítica, mais detidamente nos trabalhos de observação da relação de mãe-bebê. Estes estudos indicam que muito cedo os bebês passam por um processo de aprendizagem delicado fundado sobre o desconforto, o medo e o ataque, imaginário e real, dirigido contra o seu cuidador. O descuido ou o despreparo dos cuidadores podem ocasionar distorções no desenvolvimento, tanto pela eliminação prematura dos desconfortos do bebê quanto por permitir a ocorrência de excessos. Mais uma vez o equilíbrio é necessário ao bom desenvolvimento. Dentre os medos que o bebê enfrenta podemos enunciar sequencialmente o aparecimento dos seguintes fenômenos: desconforto pela excitação do próprio corpo (ex fome, sono, etc); ao que sucede o medo da perda do cuidado; medo da perda do cuidador; medo do corpo do cuidador (já há o reconhecimento do outro e o medo do castigo); medo da perda do amor (percepção dos afetos do outro); aparece o respeito (medo e empatia); para depois, já infante, o sujeito transcender ao senso moral e, como último estágio, a transcendência ao senso ético e estético, que já implica na adoção de condutas baseadas em princípios, independente da pressão da comunidade externa. Portanto, a ética referencia um processo mais elaborado onde se estuda e se elege uma conduta mais pela lógica da autonomia de escolha do que pela tradição. A este estágio, mesmo adultos, poucos alcançam em níveis que seriam desejáveis para alcançarmos uma sociedade mais digna.

Vou me abster nesse momento de falar sobre as vicissitudes dos ataques do bebê ao cuidador, bem como dos requintes necessários ao bom manejo destes ataques por parte do adulto, e que fará toda a diferença no êxito do processo educativo.

                Baseados nas premissas ora apresentadas, relacionadas estas ao desenvolvimento das capacidades de internalizar (colocar dentro de si) a ética e de se comportar dentro dos seus preceitos, já nos é possível apontar algumas conclusões:

1 – Comportar-se segundo preceitos éticos é habilidade refinada e sensível e que se funda para muito além do conteúdo escolar e do conhecimento humano. Depende muito mais de uma estrutura baseada na vivência adequada dos afetos humanos.

2 – As funções parentais são imprescindíveis para tal desenvolvimento, pois, ao transmitirem a vivência dos valores mais éticos funcionam como representantes da sociedade a ser respeitada posteriormente, quando a criança se torna o infante e o adulto. Dentre estas funções destacamos especialmente o senso de proprietário amoroso, firme e belo que os pais devem estar preparados para assumir. Nas palavras de Luc Ferry pais e filhos devem compartir a experiência do amor, da lei e da estética.

3 - As demandas sociais, mercadológicas e de dominação, presentes na modernidade, esvaziaram esta experiência (descrita no item 2) no seio familiar e comunitário, fazendo a tentativa de delegar à escola tais funções, sem contudo garantir-lhe os instrumentos necessários.

4 – Agências de fomentos da educação e da informação não observam as milhares de experiências exitosas mundo a fora, e sem nenhuma diretriz básica arvoram-se a disciplinar a escola sem saber a diferença entre formação (continente) e informação (conteúdo). O despreparo geral das escolas não passa nem por perto das necessidades de uma criança em formação, seja por falta de vontade política em investir o que deve ser investido, seja por interesse em manter uma sociedade repleta de núcleos antissociais, o que facilitaria o seu controle.

                Acredito que os argumentos apresentados satisfazem nosso propósito de eliciar o debate em busca de respostas maiores sobre, por exemplo: quem seria o “dono” (supervisionado) da criança na educação infantil?; quantas crianças um “dono” poderia cuidar, e de qual capacitação necessitariam?; deveria se dar capacitação aos pais?; seria ético a sociedade fazer ingerências sobre a intenção dos pais em terem filhos, criando filtros de conscientização e capacitação antes destes serem autorizados terem filhos?; a sociedade teria recursos para pagar um serviço desta magnitude?.

Ficam estas questões para abrirmos um debate.


*Graduado pela UEL, em Engenharia Civil e Psicologia, exercendo a 
psicologia clínica na infância e na idade adulta. Também atua no
diagnóstico e na intervenção em instituições de ensino